Circus Charlie: Capitalismo versus Comunismo
[Post originalmente publicado no Working Class Anti-Hero]
Em uma lista de discussão que assino com mais jornalistas de games e tecnologia – onde discutimos não só os rumos da indústria e a jogabilidade como também costumamos descarrilhar o assunto quando menos se imagina, porque ninguém é de ferro – veio à baila a maneira como certos veículos de imprensa comentavam os videogames de outrora, como o jornal New York Times o fez em outras ocasiões.
Ler algumas delas me fez lembrar de um texto em particular que escrevi nas priscas eras das BBS – foi na saudosa High Sorcery, pra ser mais preciso – em que eu claramente via mais do que havia para ser visto em um clássico dos arcades: “Circus Charlie”, da Konami. Infelizmente, isso é tão antigo que nem o sysop tem no backup da base de mensagens; felizmente, parece que eu tenho tempo livre o suficiente nas mãos para escrever uma versão revisitada do texto em questão.
(como é de se esperar, não é um texto a ser levado a sério – a não ser que você seja um neocomunista de universidade particular, curta teorias da conspiração, veste chapéus de papel laminado, e assim por diante)
Lançado nos fliperamas em 1984, “Circus Charlie” poderia se passar por um singelo jogo de ação arcade onde o protagonista se esforça para encantar seu público com suas peripécias circenses. O que poucos notam: o subtexto glorificando o capitalismo (ou criticando, dependendo de suas inclinações particulares) e o comunismo. Comecemos pelo título, que evoca um nome tipicamente americano (“Charlie”, o nosso “Carlinhos”), e o fato dele ser um palhaço de cabelo loiro e olhos azuis não ajuda muito a evitar uma representação pejorativa.
Na primeira fase, Charlie segue montado em um leão – clara alusão ao Imposto de Renda, às taxas e tudo mais – e faz de tudo para obter os cobiçados sacos de dinheiro, incluindo arriscar sua vida ao saltar por argolas em chamas. Na segunda fase, o herói caminha na corda-bamba enquanto macacos de pelagem vermelha (*cof* comunistas *cof*) tentam impedi-lo – e olhe que nem chegamos a citar aos símios rosados e saltitantes…
O terceiro passo desta jornada envolve pular em tambores elásticos enquanto atiradores de facas e cuspirores de fogo tentam demovê-lo da ideia, já que os trampolins o projetam cada vez mais próximo ao céu vermelho sobre a lona desenhada no display de pontuação (e note que nesta fase Charlie pode atravessá-lo, em um claro exercício de metalinguagem). Na quarta fase, o palhaço caminha sobre uma bola – como se controlasse o mundo, como o balão em “O Grande Ditador”, de Charlie Chaplin. Este estágio marca um rito de passagem – afinal de contas, o herói já parece confortável com a ideia de passar de uma bola para outra, de um mundo para outro.
Conforme esperado, a esta altura do campeonato o jogador já está tão imerso no ideal capitalista que nada mais parece uma ameaça para demovê-lo desta ideologia.
Enquanto o leão do começo do game era domado (ele pode ser controlado diretamente: pare! avance! recue! pule!), na quinta fase o jogador está montando um cavalo branco em disparada enquanto o próprio Charlie pula em trampolins dispostos no picadeiro. O animal, quase incontrolável, pode ser visto como o inevitável progresso; os trampolins, como no exemplo da terceira fase, projetam o jogador às alturas, como se referenciando o êxito inquestionável, over the top. Na sexta e última fase, uma das mais arriscadas atividades do circo – o trapézio – mostra não apenas Charlie como outros palhaços seguindo o mesmo ideal; palhaços se ajudando (ou não, pois eles nem sempre te seguram) para o bem comum. E o trampolim, sempre presente, está lá para trazê-lo de volta caso tudo falhe.
É por conta desta série de fatores que acredito que “Circus Charlie” é apenas um dos jogos que merecem uma leitura e interpretação mais apuradas. Os sinais podem ser claros, mas nem sempre são interpretados da maneira desejada. E pense duas vezes antes de colocar mais uma ficha nesta máquina.
Games e televisão nos tornam mais espertos, e não é surpreendente
[Post originalmente publicado no Working Class Anti-Hero e cedido ao TeleSéries]
No mês passado, fui o vencedor de uma promoção organizada pelo blog WarpZona e ganhei o livro “Surpreendente! A TV e o Videogame Nos Tornam Mais Inteligentes” (“Everything Bad Is Good For You: How Today’s Popular Culture is Actually Making Us Smarter”), de Steven Berlin Johnson. Apesar do título pouquíssimo inspirado da edição brasileira, a leitura é bem interessante.
O autor traça uma série de teorias bem interessantes sobre os assuntos em questão, comparando séries como Starsky & Hutch: Justiça em Dobro, Hill Street Blues, Plantão Médico e Família Soprano — em ordem progressiva de complexidade — e como os jogos se tornam envolventes mesmo se seus objetivos básicos soem extremamente simplistas… tipo, não dá para resumir uma seqüência de The Legend of Zelda a um simples “ache um objeto, explore um calabouço, use-o para derrotar o chefão da vez”.
Particularmente, tenho a impressão que vivemos em uma era cultural muito interessante: o esmero, grandiosidade (e por que não “pretensão”?) de certas obras contemporâneas — como Lost, por exemplo — oferecem muito mais do que os esperados 40 minutos de entretenimento por episódio. Assim como nos jogos — Metal Gear Solid vem à mente — há um grande e consistente universo para quem se dispuser a acompanhá-lo, interpretá-lo e entendê-lo. E mesmo outras obras isoladas no mundo dos games, como Killer7 e BioShock, oferecem tramas densas e provocantes o suficiente para garantir uma sobrevida monstra em se tratando de bate-papos e teorias pelos fãs.
Isto porque nem cheguei a comentar as ações virais de publicidade, como a campanha I Love Bees para Halo 2, o site institucional da Dharma Initiative e os contatos da Primatech Paper… só é uma pena que nem todos estes sejam fáceis de acompanhar por morarmos no Brasil, mas paciência. Nada que desmereça este trabalho de tornar as obras maiores do que elas aparentemente se propuseram a ser. É uma boa época para quem gosta de botar a cabeça para funcionar enquanto se diverte.
Braid: O tempo é uma ilusão
[Originalmente publicado no site FinalBoss]
Uma das discussões intermináveis que vemos na indústria e imprensa dos jogos eletrônicos revolve em torno da manjadíssima pergunta ”games são arte?”. Papo vai, papo vem, e a coisa acaba se dividindo em facções diferentes: aqueles que acham que qualquer tipo de jogo é arte – afinal, reúne imagem, música, movimento etc… – e outros que acreditam que somente aqueles títulos que ultrapassam a barreira do entretenimento puro, evocando emoções (seja de simpatia ou repúdio) e fazendo pensar merecem tal definição… assim como acontece com qualquer obra de arte: para uns, a fotografia A Fonte de Marcel Duchamp – um mictório! – tem tanto valor quanto a Mona Lisa de Leonardo da Vinci – para outros, isto é absolutamente impensável. O negócio é que qualificar qualquer coisa como arte é algo muito, muito subjetivo; posto isto, de vez em quando aparecem certas obras que acabam causando uma impressão tão chocante — e inesperada! — que não dá para imaginar outra definição que não ”isto é arte”. Braid, criado por Jonathan Blow e seu estúdio Number None para a Xbox Live Arcade, é um destes casos.
Haze: O Puro Néctar da “Bad Trip”

[Originalmente publicado no FinalBoss]
O estúdio inglês Free Radical Design criou uma boa reputação como produtora de jogos de tiro em primeira pessoa; não contente em contar com talentos egressos da Rare e envolvidos na produção de GoldenEye 64, sua franquia TimeSplitters esbanjava humor, boa jogabilidade e uma experiência multiplayer local bastante divertida. Mesmo a incursão mais séria fora do meio FPS (Second Sight, um game de ação em terceira pessoa) obteve boa recepção de crítico e pública, mesmo que não tanto quanto TS. Com a chegada da atual geração de consoles, fãs da empresa ficaram curiosos com seu primeiro projeto — e após rumores de exclusividades indo e vindo, eis que Haze tornou-se um exclusivo ao PlayStation 3. Infelizmente, este é mais um daqueles games a serem arquivados sob a categoria “de boas intenções, o Inferno está cheio”. (more…)
Lost: Via Domus – Apenas para iniciados da Dharma?

[Originalmente publicado no FinalBoss]
Lost, a série de televisão da ABC, é um grande sucesso mundial. O constante mistério envolvendo a queda de um avião em uma ilha desconhecida, cujos sobreviventes enfrentam várias ameaças desconhecidas, alto grau de paranóia e elementos que dão margem ao científico ao sobrenatural, já está na quarta temporada… com o costume de criar pelo menos dois novos enigmas para cada um resolvido, e nem por isso os fãs desanimam quanto a descobrir o que diabos está acontecendo por lá. Aproveitando a popularidade do programa, a Ubisoft oferece Lost: Via Domus, uma aventura ambientada nas duas primeiras temporadas da série. Aí cabe aquela boa e velha pergunta: será que uma ótima série pode render um jogo de igual qualidade? (more…)
No More Heroes: Rumo ao Jardim da Loucura!
[Originalmente publicado no FinalBoss]
“Excentricidade” é uma palavra que poderia ser encaixada sob o verbete “Grasshopper Manufacture” no grande dicionário das produtoras de videogame. Desde o princípio, o estúdio chefiado por Goichi Suda (ou Suda 51, caso prefira usar seu pseudônimo) optou por criar jogos de tramas e situações inusitadas, com temas que vão de dias cíclicos em um hotel fantasma, operador de câmera em uma cidade com monstros e um grupo de assassinos profissionais que são fruto da mente de um só. O mesmo se aplica à jogabilidade de seus títulos: em se tratando de franquias originais da GHM, elementos de jogo incomuns são inseridos. A recepção crítica de Killer 7, seu mais recente game de franquia original para consoles, teve recepção de público e imprensa bastante misturada, com gente aplaudindo seu estilo audiovisual, trama elaborada e o fato deles jogarem o manual de jogabilidade padrão pela janela… e outros não curtindo pelos mesmos motivos. De qualquer forma, o trabalho deles em K7 atraiu a atenção de várias publishers, incluindo a Namco e a Marvelous. E foi em parceria com esta última que foi produzido No More Heroes, um game de ação exclusivo para o Wii que fugia de franquias estabelecidas, direcionadas à família e partidas em grupo, ou compilações equivocadas de minigames: o jogo era sangrento, ridiculamente violento, parecendo uma sátira / respostinha à visão americana da cultura japonês. Aproveitando este ensejo dos poucos jogos com a classificação Mature para o sistema – os primeiros a virem à mente são The Godfather e Manhunt 2 – a Ubisoft decidiu trazê-lo aos EUA em sua glória sangrenta.
Portal: O Bolo é uma Mentira

[Originalmente publicado no FinalBoss]
Em 1997, o estúdio 3D Realms fez a apresentação de um dos mais promissores elementos de Prey, seu então novo FPS para o PC: um sistema de portais que transportavam o jogador para outra localidade da fase, algo inédito na época. No entanto, este jogo demorou bastante para sair após uma série de mudanças na equipe de produção… Pulemos para 2005, quando um grupo de estudantes da Digipen – universidade norte-americana especializada no desenvolvimento de jogos para computador e videogame – chamado Nuclear Monkey Software lançou gratuitamente a demonstração jogável Narbacular Drop. A premissa do game era similar: guiar uma personagem através de um calabouço com um sistema de portais bastante curioso, sendo possível entrar por uma parede e cair do teto, cair no chão e sair da parede, e por aí vai. Eventualmente, estes estudantes foram contratados pela Valve Software e puderam criar uma nova demonstração de seu conceito: Portal. (more…)
Half-Life 2 – Episode 2: Lidando Com as Conseqüências
[Originalmente publicado no FinalBoss]
Após alguns adiamentos (devidos à atenção dada à versão Xbox 360 da edição The Orange Box, já que a para PS3 ficou a cargo da Electronic Arts, publisher do jogo originalmente previsto só para PC), Half-Life 2 – Episode Two já está disponível nas prateleiras de lojas e no Steam. Se os outros capítulos da série da Valve tiveram uma ótima receptividade por público e crítica, não foi à toa: em termos de jogabilidade, direção artística e narrativa, o trabalho dos caras é de tirar o chapéu. Além disto, eles contam com uma boa vantagem — a constante aprimoração de seu Source Engine, que desde o lançamento do HL2 original em 2004 vem ganhando melhorias que se fazem visíveis a cada novo capítulo da série. A espera foi longa, mas tenha certeza de que valeu a pena — e se você não jogou os anteriores, a edição The Orange Box provavelmente traz o melhor valor agregado pelo dinheiro investido.
BioShock: VIVA RAPTURE!

[Originalmente publicado no FinalBoss]
Existem vários fatores que podem tornar um jogo memorável. Seja uma jogabilidade inovadora ou variada, direção de arte — seja no aspecto artístico ou tecnológico — bacana, uma trama densa, e aí por diante. Certos games conseguem preencher esta vaga com apenas alguns destes aspectos isolados, e de certa forma isto só reforça o quanto estes títulos brilham neste aspecto. Mesmo assim, vez por outra aparece um jogo que consegue aliar com facilidade vários destes fatores ao mesmo tempo e fazem com que este se torne uma experiência a ser lembrada por quem jogue, e recomendada a quem ainda não o fez. Combinando elementos de FPS, exploração, evolução de personagem, um pouquinho de quebra-cabeças, BioShock — considerado o sucessor espiritual da série System Shock — é um ótimo exemplo disto.
Half-Life 2 – Episode 1: Servindo Novamente o Grande Mistério

[Originalmente publicado no FinalBoss]
Se a Organização das Nações Unidas tivesse cláusulas específicas ao lançamento de videogames, uma delas deveria enfatizar que empresas que lançam jogos muito bons e pretendem lançar seqüências para os mesmos não devem deixar os fãs muito tempo a ver navios. O primeiro Half-Life é um bom exemplo disto: o game reescreveu boa parte das regras dos FPS na época, com ótimos elementos de narrativa e jogabilidade. Longos seis anos depois, a empresa lança o incrível Half-Life 2 (leia nossa resenha!) que tinha jogabilidade, gráficos e som impecáveis… e ambos os jogos compartilhavam de um prazer bem dúbio: finais que mais confundiam do que explicavam, deixando os jogadores pensando “o que foi isso mesmo?!”. Desta vez, a Valve Software decidiu tomar um novo rumo para prolongar a aventura de Gordon Freeman: ao invés de demorar anos e anos fazendo uma enorme aventura, a empresa dividiu o que seria o terceiro episódio da série em uma trilogia de episódios, iniciados este ano e com previsão de chegar ao final no quarto trimestre de 2007. Utilizando recursos presentes no game original e adicionando novos elementos tecnológicos e de jogabilidade — como melhorias na iluminação, animação facial, participação maior de Alyx e Dog — Half-Life 2: Episode One pode não ter o mesmo impacto da época do lançamento do game anterior, mas certamente é uma obra de arte que prova que a Valve continua mandando bem no que faz.



