The Binding of Isaac foi uma das maiores surpresas que tive no ano passado. Criado por Edmund McMillen (designer e um dos autores de Super Meat Boy, outro queridinho indie) e Florian Himsl, o jogo no estilo rogue era inspirado pela passagem homônima do Velho Testamento – mas desta vez, você controla o filho que foge do parente que tenta sacrificá-lo ao ouvir vozes divinas. Se você não jogou, aproveita que tá baratinho no Steam – e se estiver indeciso, leia minha análise.
Fiquei muito feliz quando soube da possibilidade de seu lançamento sair para o 3DS via eShop, pois é o tipo de jogo que eu certamente jogaria mais se o tivesse no bolso — sem contar que suas partidas de duração reduzida combinariam lindamente com isso. Qual não foi minha surpresa (na verdade, uma decepção) ao ver que o pobre Isaac foi vetado pela Nintendo por “ter conteúdo religioso questionável“. McMillen se saiu muito bem ao agradecendo a Deus pela existência do Steam. 😛
“Ah, tinha que ser a Nintendo mesmo”, dizem alguns. E é aí que levanto a hipótese… e se o jogo passasse pelo crivo da ESRB, órgão responsável pela classificação etária de software nos Estados Unidos – coisa que não foi necessária para sua publicação no Steam, atualmente a única forma de comprá-lo? Talvez a coisa mudasse de figura. Vamos relembrar alguns momentos envolvendo o malfadado selinho Adults Only – e seu arqui-inimigo, o Mature.
Segundo o site oficial da ESRB, “títulos de classificação AO (Adults Only) têm conteudo que só devem ser jogados por pessoas de 18 anos de idade ou mais. Títulos nesta categoria incluem cenas prolongadas de violência intensa e/ou conteúdo sexual gráfico e nudez“. Lembra de quando o violentíssimo Manhunt 2 foi anunciado pela Rockstar para o Wii e foi vetado por ter classificação AO? Pois é: na real, nenhuma fabricante de consoles o lançaria. Se você acha isso bobeira, faça uma pesquisa e veja quantos jogos Adults Only foram lançados para console na ESRB.
O único representante, Grand Theft Auto: San Andreas, o recebeu retroativamente devido ao incidente Hot Coffee – no qual um minigame de sexo estava no disco, mesmo que incompleto e somente acessível ao modificar o código. Enfim, isso levou a uma pendenga judicial e seu relançamento editado para a classificação Mature (M), e o resto é história.
Enfim, voltemos ao pobre Isaac. Considerando que o jogo tem escatologia, matricídio e representações da genitália, vejamos as descrições de conteúdo nas quais The Binding of Isaac provavelmente se encaixaria, e algumas traduções aproximadas:
- Blood and Gore (Sangue e mutilação)
- Cartoon Violence (Violência cartunizada)
- Crude Humor (Humor crasso)
- Fantasy Violence (Violência fantástica)
- Mature Humor (Humor maduro)
- Nudity (Nudez)
- Sexual Content (Conteúdo sexual)
- Suggestive Themes (Temas sugestivos)
Oito categorias? Uia. E se você parar e aliar ao fato das referências diretas à Bíblia Sagrada – não levando em conta as já detectadas metáforas sobre abuso infantil e sexualidade reprimida – como a citação de Deus, o Diabo (vá lá, tem uma estátua de Baphomet no porão da casa, prontinha para um pacto demoníaco), só está derramando mais querosene na fogueira, reduzindo as chances de receber qualquer classificação que não fosse Adults Only. Se levasse Mature, vá lá, podiam jogar pedras à vontade na empresa que fosse… mas, particularmente, acho difícil.
No fim do dia, isto selaria o destino do jogo: sem doses cavalares de edição (assim distorcendo The Binding of Isaac como concebido por McMillen e Himsl) para que passasse à classificação Mature, ele não sairia para o 3DS. E nem para o Vita, DS, PSP, Xbox 360, PlayStation 3, Wii… bem, acho que vocês entenderam o ponto no qual quero chegar: o problema de verdade está na maneira como fabricantes de consoles e portáteis lidam com jogos de classificação estritamente AO. Qual o lance? Pressão dos responsáveis? Da sociedade? O varejo? Quem garante que não é um pouco de cada?
Embora eu entenda as dores de cabeça que Microsoft, Nintendo e Sony queiram evitar ao rejeitar jogos Adults Only em seus sistemas – mesmo que todos tenham sistemas embutidos de controle parental, tal qual os de DVD player e receptores de TV a cabo, há anos – e sugerir que os mesmos voltem à prancheta, espero poder viver para ver o dia em que isso mude de figura, e que haja mais flexibilidade para que estas obras dispensem ajustes que as desviassem de suas visões originais. Quem sabe um dia…