A identidade gamer

É, saber rir de si mesmo também faz parte da vida

Na busca eterna por reconhecimento, não é surpresa que as pessoas tendam a formar grupos por interesses e afinidades comuns. Pode ser música, cinema, culinária, literatura – e, obviamente, videogames. No entanto, uma troca de tweets com o meu amigo Rique Sampaio sobre Will the Real Gamer Please Stand Up? – um artigo publicado no site da ótima Kill Screen, leitura sempre recomendada – me fez pensar se havia algo de danoso ou ofensivo quanto às pessoas se definirem como “gamers”. Embora eu entenda a argumentação apresentada, não vejo problema algum…

Jason Johnson, o autor do artigo em questão, faz um bom apanhado sobre o uso do termo – indo da etimologia até os desdobramentos sociais da parada, como citar que a definição de gamer é segregacional e formadora de guetos. Tirando do caminho os parâmetros regionais do texto de Johnson (por motivos óbvios, seus exemplos da representação e reconhecimento dos fãs de videogame na mídia são americanos), acho que não há problema nenhum em se referir – ou definir outras pessoas – como “gamers”. Com ressalvas? Claro, mas no geral, não há ofensa envolvida. Vamos ver…

É aquilo: novidade zero quanto à existência de termos que definem as pessoas por gostos, predileções e hobbies – indo das abrangentes como “cinéfilo” e “melômano” a outras mais específicas como “clubber” e “indie”. Particularmente, acho que a parada só se vira gueto se as próprias pessoas se deixarem tratar dessa maneira – e isso é mais comum de se ver quando há uma atitude elitista envolvida. Se você já disse algo como “ah, véio, Angry Birds não é pra gamer de verdade; tu tem que jogar Call of Duty“, você fez sua parte pra que isso se perpetue.

Como você define estes caras, e como eles mesmos se definem? Ah-ha!

Entendo perfeitamente que, em algum momento, tenha sido importante usar esta definição para fincar sua bandeira como forma de auto-afirmação (“eu jogo, sim!”). Mas agora? Meh. Na boa: já é hora de parar com essa perda de tempo ao discutir se um jogo é “de verdade” ou não, né? Acredite: eu odiar certo jogo de tiro em primeira pessoa de sucesso não o faz deixar de sê-lo, e o mesmo se aplica à sua opinião sobre o mais novo sucesso de US$ 0,99 dos iPhones que você não quer ver pintado de platina.

Outra maneira de fazer com que este tipo de situação desapareça é mostrar ao mundo que os videogames vão bem além de tecnologia e entretenimento: eles também são arte e cultura. Ao mesmo tempo em que temos aquelas obras mais simples e de consumo fácil e rápido – sério, não há nada de errado nisso -, temos tramas e ambientações densas, experiências marcantes, personagens com predisposição a virarem referências com suas citações e atos. Não se trata somente do avanço de como as obras são feitas, e sim do que elas trazem ao público, e o que o público leva delas.

(Trivia: se eu trocar “videogames” por “cinema” no parágrafo acima, ele não perde o sentido.)

E aí, qual deles é fã de cinema? E de futebol? E de literatura?

Tenho certeza de que viveremos pra ver o dia em que o grande público vai sacar de uma vez que os videogames são mais sociais do que costumavam ser nos anos 80 – sim, reunir os amigos em casa pra um rei da mesa de Street Fighter II ou campeonatos informais de Super Mario Kart já contava como “social”, mas é óbvio que muito mudou de lá pra cá com o advento dos jogos online – e que toda e qualquer pessoa pode ser gamer sem passar a fazer parte de um conjunto paralelo na sociedade… Se for tão “separatista” quanto falar que aquela sua amiga é “fanática por futebol”, “rato de quadrinhos” o ou o que for, sem limitar-se a ser só isso, não há problema nenhum.

No frigir dos ovos, acho que essas definições são somente mais uma maneira das pessoas se reconhecerem – sejam elas mesmas, ou umas pelas outras. O elitismo e a segregação estão nos olhos de quem vê – ou, pior, de quem faz. Você é bem mais do que uma palavrinha, mas pode usá-la e aceitá-la à vontade.