Lost: Via Domus – Apenas para iniciados da Dharma?

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Lost: Via Domus (PC)

[Originalmente publicado no FinalBoss]

Lost, a série de televisão da ABC, é um grande sucesso mundial. O constante mistério envolvendo a queda de um avião em uma ilha desconhecida, cujos sobreviventes enfrentam várias ameaças desconhecidas, alto grau de paranóia e elementos que dão margem ao científico ao sobrenatural, já está na quarta temporada… com o costume de criar pelo menos dois novos enigmas para cada um resolvido, e nem por isso os fãs desanimam quanto a descobrir o que diabos está acontecendo por lá. Aproveitando a popularidade do programa, a Ubisoft oferece Lost: Via Domus, uma aventura ambientada nas duas primeiras temporadas da série. Aí cabe aquela boa e velha pergunta: será que uma ótima série pode render um jogo de igual qualidade?

Em Via Domus (”a caminho de casa” em latim), o jogador controla um personagem nunca apresentado na série, criado especialmente para o game. Após o fatídico acidente, este sujeito perde a memória, assim pairando um mistério em relação a quem ele realmente é, o que fazia da vida, e por que ele estava a bordo do vôo Oceanic 815. Os principais personagens e eventos mostrados no decorrer dos dois primeiros anos da série servem de pano de fundo para os acontecimentos desta aventura paralela, que apesar de puxar referências da série de TV, marketing viral e outras fontes – como o livro Bad Twin – não faz parte do cânone da trama da série de TV… tipo, não joguem esperando achar respostas, continuidade ou justificações para acontecimentos específicos da série, pois é uma aventura paralela (mas se a produção da série eventualmente vai usar isto depois ou não, aí o problema é deles…).

Visto em terceira pessoa, grande parte do game envolve a exploração da ilha, diálogo com os sobreviventes e demais personagens (assim descobrindo o que deve ser feito a seguir). Há um quê de adventure pela quantidade de diálogos, coleta de objetos e até mesmo escambo de objetos por outros de interesse – acredite: catar cocos, mamões e garrafas d’água vai salvar sua pele em algum momento. Enfim, depois de conseguir acessar determinadas áreas pela primeira vez, é possível se transportar automaticamente para elas se o episódio da vez envolvê-las, como o acampamento da praia, a cabine do avião e o navio Black Rock.

Mas nem só de vagar pelas localidades famosas da série o jogo é feito: vez por outra, aparecem algumas variações na jogabilidade. Uma delas remete aos jogos de furtividade: atravessar a floresta sem ser detonado pelo misterioso monstro da fumaça preta (é só se esconder em alguns galhos de árvore específicos do cenário – um acerto é uma morte), guiando-se pelas marcações em árvores – é só apertar o botão perto de uma que o herói olhará em volta e achará o próximo, daí é só ir naquele sentido até achar a saída.

Outro minigame que voltará várias vezes é um quebra-cabeças que envolve ativas instalações elétricas colocando os fusíveis nos lugares corretos. Existem três tipos de fusíveis, e aí o jogador precisa botar a massa cinzenta para funcionar e fazer com que a corrente elétrica chegue nos pontos definidos no circuito e com a carga necessária. Com isto o jogador reativa as portas de emergência da escotilha, por exemplo. Novamente, o esquema de escambo e procura de itens se faz necessário, pois nem sempre você terá todas as pecinhas para a instalação da vez… prepare-se para um exercício de paciência, pois estes puzzles são bem difíceis (irritantes quando você apanha deles pela enésima vez, aliviante quando resolvidos).

De vez em quando, o jogador deverá fugir de alguma coisa em disparada (seja o monstro de fumaça ou seja lá qual for a ameaça da vez), aí entra a terceira e última variedade de jogo: correndo por uma rota pré-definida, o jogador deve desviar de obstáculos pelo caminho, seja pulando ou deslizando por baixo. Tropeçar ou bater neles te atrasará e o prejudicará diretamente.

Para os fãs de tiroteio, o jogo não oferece quase nada. É possível arrumar uma pistola, comprar munição trocando por outras paradas com as pessoas certas (normalmente Sawyer e Charlie), mas são raras as ocasiões em que se fará necessário trocar tiros com alguém – se tanto, apenas dois personagens morreram com os projéteis disparados pelo jogador. Por pouco, é possível zerar o game sem precisar apertar o gatilho.

Assim como na série de TV, o game também tem aqueles flashbacks revelando mais sobre as origens do personagem da vez… e como o herói do game sofre de amnésia, é a deixa perfeita para deixar aquele mistério no ar. À medida que ele ouve certos comentários de alguém, o flashback é ativado (com direito a efeito enevoado na tela e tudo mais): uma fotografia rasgada mostra uma cena que o jogador deve fotografar para lembrar exatamente qual a situação. Além disto, fotografar alguns objetos e lugares em específicos – como a cadeira de rodas de Locke, ou a guitarra de Charlie – destranca conteúdo extra, como artes conceituais do game.

Em termos de apresentação, Via Domus é fantástico, os fãs da série vão se amarrar. Das citações de vários personagens nas telas de carregamento à introdução com “Previously, on Lost” (devidamente acompanhado do resuminho do que aconteceu até então) ao começo de cada fase ou carregamento dos saves, o game faz ótimo uso do conteúdo de origem. Os pequenos vídeos de abertura e encerramento – aqueles com o logotipo de Lost em persepectiva, e o outro plano – também são utilizados de maneira fiel à série. Em várias ocasiões, os jogadores se pegarão pensando “eles lembraram disso, que maneiro”, como nas frases clássicas da série nas telas de load.

O game tem sete episódios, e depois de completados podem ser jogados do zero novamente caso o jogador queira rever alguma coisa. A durabilidade do game não é grande coisa: é possível vencê-lo com facilidade em dois dias, e destrancar todo o conteúdo extra não posa um desafio grande o suficiente. O jogo vale mais pela curiosidade com a trama e como a franquia foi usada do que como jogabilidade propriamente dita. Pelo menos tenham certeza de que, assim como o material de origem, o game oferecerá vários momentos “o que diabos acabou de acontecer?”, inclusive o final que parece algo tirado de um fim de temporada (que não explanaremos por aqui por razões óbvias).

Visualmente, Via Domus faz bonito, mesmo que seja um pouco pesado para máquinas mais modestas. O game utiliza o YETI engine, utilizado em Ghost Recon: Advanced Warfighter 2, para recriar a ilha paradisíaca e os ambientes fechados de lá, como as estações Cisne, Chama e Hidra. Os modelos de personagem são irregulares, pois alguns parecem bem mais convincentes que os outros (Locke e Hurley são ótimos e Jack e Kate estão aceitáveis, mas Sayid parece meio gorducho), e em close são claramente todos parecem claramente mais detalhados. Os ambientes são convincentes, seja a mata densa da ilha ou as instalações da iniciativa Dharma. Quanto à parte sonora, a trilha é assinada por Michael Giacchino, que também compõe os temas para a série de TV, o que mantém o clima. A dublagem dos personagens é predominantemente boa, levando em consideração que nem todos os atores da série original participaram desta (os intérpretes de Sun, Juliette e Tom cederam voz ao game, por exemplo).

Infelizmente, o jogo de Lost não é tão alucinante quanto a série de TV. Para começo de conversa, o jogo é extremamente linear. Quem chegar procurando um jogo com mais ação poderá ficar decepcionado com o andamento da aventura (não que a série seja tão frenética quanto um 24 Horas da vida, mas mesmo assim…), que envolve muita exploração e interação de personagens, e as seqüências de ação são bem mais esparsas. O minigame dos circuitos elétricos é até legal, mas depois da terceira vez, cansa; poderiam ter colocado outros tipos de puzzle. A duração da aventura também não é grande coisa – é possível vencer o game em menos de dois dias, com facilidade – o que indica que talvez valha mais uma locação do que uma compra. Fora isto, alguns tempos de carregamento são bem longos, e prepare-se para ficar de cara com as mortes de um acerto só, como a explosão da turbina… sério, dá para se sentir como aquele coadjuvante de fundo que passa ao lado da explosão e morre.

Não é incomum que os fãs de videogame tenham um pé e meio atrás quando o assunto é  game licenciado de TV e cinema, porque normalmente é uma parada feita de qualquer jeito para aproveitar o embalo da popularidade da franquia em questão. Mais uma vez, isto é justificado… apesar de Lost: Via Domus usar o conteúdo da série de forma realmente fantástica – os pequenos detalhes do universo Lost, a apresentação em si é praticamente o andamento da série, as viradas do roteiro original são dignas do material de origem – a jogabilidade em si não rende muito. Fãs de ação ficarão decepcionados com o andamento do jogo (que se concentra mais na interação entre personagens, exploração de cenário e resolução de quebra-cabeças – neste caso, praticamente de apenas um tipo), e a linearidade das ações só não é mais decepcionante do que a curta duração da aventura, que pode ser zerada facilmente em dois dias. O que é uma pena, porque a história – sem ligação com o andamento da série, ou pelo menos é o que os criadores dela falaram – é interessante. Vale uma alugada, mesmo se você for o fã mais inveterado da série.