Resident Evil 4: Todo Mundo Contra Mim

REsident Evil 4 (GameCube)
Resident Evil 4 (GameCube)

[Originalmente publicado no FinalBoss]

Umbrella. Além de uma empresa de cosméticos com uma série de experiências duvidosas, um nome que provoca medo e raiva no coração de todos os fãs de videogame que já tiveram o prazer dúbio de encarar esta corporação: ótimo por ter a oportunidade de jogar os jogos da série Resident Evil, e ruim por estar na pele de um dos heróis (afinal de contas, convenhamos… pra sobreviver a situações tão sinistras quanto estas, “herói” é até pouco). Após encarar hordas e hordas de zumbis, cães monstruosos e outras aberrações da Natureza, a nova e esperadíssima versão resolveu dar uma guinada no jogo como o conhecemos. Os primeiros vídeos de RE4 apresentavam Leon, em uma tenebrosa mansão onde ele era atacado por fantasmas e outros objetos inanimados graças a uma infecção pelo infame T-Virus. E agora, trazemos a vocês a resenha de Resident Evil 4… que nada tem a ver com esta versão fantasmagórica apresentada anteriormente. Para a felicidade de muitos, o esperadíssimo game da Capcom chega ao Gamecube e mostra como dar uma variada dentro do próprio gênero pode fazer toda a diferença do mundo. E acreditem, cada segundo de espera valeu a pena.

Após o terrível incidente em Raccoon City ter vazado para a mídia – uma série de experiências da Umbrella que levaram a uma incontrolável epidemia de zumbis e um sem-fim de conspiração – o governo dos EUA se sentiu obrigado a neutralizar tanto Raccoon City (nada como um míssil capaz de destruir uma cidade inteira, incluindo seus habitantes!) quanto a Umbrella Corporation; uma série de embargos comerciais fez com que as ações da empresa despencassem, levando ao fim de suas atividades. Seis anos depois do acontecido, a filha do presidente dos EUA (Ashley Graham, que recebeu um bem-vindo upgrade de idade e agora tem 20 anos) é sequestrada por um grupo não-identificado e levada para algum lugar no interior da Europa. E quem é enviado para investigar o caso e resgatá-la? Ninguém menos que Leon S. Kennedy, o azarado policial que precisou encarar praticamente uma cidade inteira de zumbis em sua primeira aparição nos games (isso em seu primeiro dia de trabalho no departamento de polícia de Raccoon City!) e que agora é um agente do governo. Também, depois de um “treinamento” como o de RE2, o cara merece… se bem que esta nova missão está bem longe de ser uma parada light.

Após uma carona com a polícia espanhola, Leon chega na vila para interrogar um aldeão com uma foto e a clássica frase “você viu esta garota?” (tá, não é exatamente isto, mas é algo pra este efeito), e é escorraçado … e não contente em esbravejar com Leon, o sujeito (que parece um clone do Seu Madruga) ainda o ataca com um machado. Daí em diante, é só ladeira abaixo: o carro com os seus caronas desaparece, um grupo de camponeses com ancinhos, machados e outras armas do gênero parte para te atacar. E surpresa – eles não são zumbis. Acreditem, Leon saberia se eles fossem zumbis. Mas será que eles são humanos? Tudo bem que eles se comunicam entre si, avisam aos companheiros quando você aparece, planejam contra você te cercando e tentando te encurralar, mas que ser humano em sã consciência não tem medo de alguém atirando contra ele, a ponto de simplesmente tentar desviar dos tiros ou se proteger com os braços – tudo para simplesmente atacar seu inimigo? Só há uma maneira de descobrir… se afundando mais e mais neste mistério. E não se preocupem, amiguinhos: vou tentar passar bem longe de spoilers em potencial. O máximo que vocês devem saber de antemão é que a trama vai de seitas religiosas a coisas ainda mais sinistras…

Logo após o primeiro combate, vemos uma tirada de chapéu bacana da Capcom para a série Metal Gear; de vez em quando Leon é contactado via rádio por seu contato no governo, a agente da Inteligência Ingrid Hunnigan. Ela fornece algumas informações sobre a área, discute o status da missão com Leon. Mas diferente de Metal Gear, você não pode usar o rádio a qualquer hora; ele não é um item utilizável, servindo mais para alavancar a narrativa da história. E por falar na narrativa, o jogo agora é separado em capítulos e sub-capítulos, quando o jogador sabe quanto tempo tomou no decorrer da fase, o número de tiros e porcentagem de acerto. E além da missão propriamente dita, em algumas partes do jogo você chega em alguns minigames (tiro ao alvo, por exemplo!) valendo itens colecionáveis como tampas de garrafa com bonecos do jogo em cima, cada um com um sample de sua voz. Claro, tudo depende da sua pontuação! Tudo por estes modelinhos 3D visualizáveis…

RE4 apresenta mudanças consideráveis na jogabilidade. O cenário não ser fixo foi algo muito bem-vindo, pois o esquema de controle dos jogos anteriores da série chegava a ser irritante em alguns momentos. Você sempre vê a ação por trás de Leon (e de Ashley em certa parte do jogo, onde a indefesa menina precisa fugir de seus captores!), e ao apertar o botão R a você empunha a arma que você tiver na mão e a câmera se fixa para que você possa mirar, enquanto o botão L faz com que você saque a faca para atacar inimigos ou quebrar certas caixas, barris e outros objetos. O função do botão A, além dos tiros, varia bastante dependendo do contexto. Vale para levantar ou derrubar escadas por onde seus inimigos estejam invadindo, pular das janelas, chutar os inimigos quando eles estiverem zonzos com um tiro que você tenha dado, e por aí vai. Mas o jogo não é só tiroteio: os velhos puzzles continuam lá, mas desta vez ficaram um pouco em segundo plano… e por isso mesmo são menos absurdos do que os puzzles dos jogos anteriores.

Agora, se tem uma coisa que caiu como uma luva neste jogo, foi o esquema de movimentos no controle para resolver determinadas situações. Por exemplo, se você está encarando um grupo de inimigos e um infeliz te ataca pelas costas com um enforcamento, você tem que mexer o direcional em várias direções para se livrar do agarrão… conseguindo, se livrar, você dá uma cotovelada que fará o sujeito pensar duas vezes antes de tentar novamente (ou não, né – estes inimigos não tem medo de nada!). Isto sem contar as vezes em que um comando de botões crítico para sua sobrevivência aparece, como fugir de uma enorme pedra rolante ladeira abaixo, desviar de uma armadilha… e nem sempre é o mesmo comando! Algo como “aperte A feito um desesperado, e no último segundo aperte L+R – ou morre!”, você morrer e tentar novamente… e o comando do último segundo foi convenientemente mudado para outra coisa, acarretando a morte dos menos atentos. Resumindo: nada de decoreba, já que isto não te levará a lugar algum que não o túmulo. “Reflexo” é a palavra-chave nestas horas.

A partir do ponto em que você encontra Ashley, ela passa a te acompanhar e você precisa, a todo custo, garantir sua segurança. Você pode mandá-la esperar em algum lugar, se esconder em armários e caixotes… mas se a acharem, tentarão levá-la embora novamente. Se isto acontecer e você não se livrar do verme infeliz que estiver a carregando em tempo hábil, o jogo termina… então mande bala em seja lá quem estiver a carregando! Mas cuidado para não acertá-la; afinal de contas, você foi lá para resgatá-la… entregá-la em outro estado que não “viva e bem” significa que sua missão falhou. Conforme visto em alguns jogos (Ocarina of Time, , e POP: Sands of Time, por exemplo, são exemplos de como esta mecânica de dois jogadores é apresentada de maneiras diferentes), sua companheira será chave para a solução de certos quebra-cabeças, como ativar um botão ao mesmo tempo que você. Você precisa tomar cuidado de sua companheira no jogo. Por exemplo, se você salta de uma altura de que ela não cairia sem se machucar, você precisa sinalizar pra que ela pule para você pegá-la no colo (mas não tente olhar por baixo da saia dela, pois ela não vai achar tão bacana assim). Às vezes você precisa pedir a ela que passe por algum lugar por onde você não pode passar, então o que você faz? Peça a ela que suba no seu ombro e passe pro outro lado. Você pode chamá-la à distância quando a situação estiver mais calma, que é quando Ashley faz sua carismática imitação de Jack-In-The-Box (vocês sabem, aqueles brinquedos de onde sai um palhacinho de uma caixa de música?). Ai, Ashley!

O sistema de gerenciamento de itens também mudou: desta vez os itens são dispostos em uma maleta, com uma grade para dispor suas armas e itens de recuperação. Chaves, tesouros e objetos necessários para resolver quebra-cabeças e avançar no jogo são guardados à parte, economizando um bocado de preocupação com o você está carregando. A maleta é dividida numa grade onde você dispõe seus objetos de maneira bem prática. O bom é que depois você pode comprar uma mala maior. Como assim? É, apresentamos a vocês… o mercante secreto! Este misterioso vendedor usa um lenço no rosto, fala em um tom de voz bizarramente rouco e usa um sobretudo carregado de armas. Não o culpo – com a vizinhança naquele estado, proteção nunca é demais… pelo visto, ganhar uma graninha por fora também! Além de vender novas armas, maletas e itens de recuperação, ele oferece mapas apontando onde os tesouros da área estão (pedras preciosas e mais itens valiosos) e maletas maiores; além disto, ele também compra os tesouros e outros itens que o jogador julgar desnecessários… e ainda por cima, pode melhorar suas armas de fogo. Pagando um precinho não tão camarada, você pode aumentar a capacidade de munição, velocidade dos tiros, e poder de fogo… mas este “tuning” das armas vale cada centavo. Agora, nada de munição à venda com ele – mesmo porque dificilmente você fica sem munição, é só caçar os caixotes e barris pelas fases. Agora, nem sempre tem algo de bom mas caixas (quem assistia Domingo no Parque no SBT saberá do que estou falando)… da mesma forma que nem sempre um headshot é a melhor opção para se livrar dum inimigo…

Dado o gênero do jogo, RE4 pode ser chamado de “jogo mais bonito do Gamecube”: soberba animação facial, riqueza nos detalhes do cenário, bela arquitetura de fases (bem variados, como aldeia, castelos, cavernas… praticamente não rola aquele clima de repetição nos cenários), efeitos de ambiente de cair o queixo (experimentem jogar uma granada incendiária em um grupo de inimigos para ver o espetacular incêndio que acontece… ou caminhar por um riacho para ver os efeitos de água… e olhem que só estou falando do começo do jogo, depois só melhora) e design de personagem muito bacana. Conforme vocês já devem ter visto, chefões como El Gigante (aquele verdadeiro ogro que parece primo de algum figurante digital de O Senhor dos Anéis) e Del Lago (o monstruoso crocodilo – ou seja lá o que aquilo for! – que dá as boas vindas a Leon ao tentar atravessar uma lagoa num pequeno barco com motor de popa) são assustadores e gigantescos… mas advirto que eles serão os menores – com perdão do trocadilho – dos seus problemas. Jogar RE4 é garantia de enfrentar inimigos assustadores de todas as formas, tamanhos e habilidades. O clima de tensão ao ser cercado por um grupo de aldeões furiosos com sua presença é aterrador, e o lance de você não ver que tem alguém a um passo atrás de você até que esteja realmente perto só aumenta o clima de desespero. Muito, muito mais sinistro do que dois zumbis da Umbrella que só andam pra frente em uma sala. Ou até mesmo os Crimson Heads. O jogo roda em um formato widescreen, então os jogadores que tiverem uma TV com esta função poderão ver o jogo desta maneira; os outros jogarão com tarjas pretas no topo e fundo da tela, que nem quando se assiste um DVD neste formato, com uma boa parte da tela utilizada.

A parte sonora deste jogo é outro show à parte; a dublagem dos personagens avançou consideravelmente se compararmos com jogos anteriores da série. Leon tem um arsenal de tiradas espertas (mas não soa como se ele quisesse ser o engraçadinho do jogo, ele soa mais irônico mesmo), os camponeses falam em espanhol (o que fica até engraçado para nós que falamos Português; ouvir os caras te xingando e tramando contra você fica extremamente claro para os brazucas); o intimidador cântico, quase um mantra, dos Los Illuminados (se lembram daquelas figuras vestindo robes negros e vermelhos que surgiram nas screens do jogo?), isto sem contar a trilha sonora bem climática e dá o clima certo na hora certa, como uma boa trilha de filme deve ser. Na minha opinião, o único deslize do jogo é em relação ao Mercador Secreto, que parece fazer parte de um sindicato. Como assim? O problema é o seguinte: nosso amigo camelô das armas só tem umas 4 ou 5 frases diferentes na hora dos negócios mesmo, e estas frases se repetem a cada operação que você faz. Tipo, “tá, eu quero comprar algo” e ele responde “O que você vai compraaar?”. O resto são variações disso, e uma coisa ou outra diferente, como surpresa quando você oferece um item bem valioso para ele. As frases são legais, o problema é só a repetição; felizmente, isto só acontece nos menus de compra e venda. Mas que parece que ele está repetindo tais frases por ordem de alguém, parece.

Enquanto a performance do jogo é bem sólida, por pouco não dá para ignorar algumas bobagens como colisão de gráficos (apontar uma arma para uma árvore – tudo bem que você certamente tem trocentos lugares mais úteis e essenciais para sua sobrevivência para atirar – e a arma meio que entra no modelo da árvore) e pouca variação do rosto dos inimigos (digamos que cada tipo de inimigo tem cerca de 6 caras diferentes… aldeões, monges, etc). Isto incomodou alguns aqui na redação, e é digno de nota pois pode ser do desagrado de alguns: a câmera móvel, através da alavanca analógica C, tem poucos ângulos de visão e não vão tão longe quanto o resto dos jogos. Pode até ser opção da própria Capcom para não facilitar demais o jogo, mas diga isso praquele jogador que ficou uma arara por não ter visto aquela armadilha de urso no chão. Mas saibam que estes problemas citados agora não são nada que atrapalhe a experiência de jogo, não mesmo! Só que a Capcom poderia ter dado só um pouquinho mais de atenção para que estas bobagens não dessem margem para quem resolver se valer disso para falar mal do jogo (injustamente, com certeza).

Começamos 2005 muito bem: Resident Evil 4 valeu cada segundo de espera. Jogar este tipo de jogo faz com que nós, jogadores, fiquemos mal acostumados; afinal de contas, se em menos de meio ano jogamos ótimos títulos como HL2, Halo 2, Snake Eater, [Metroid Prime 2:] Echoes, a lista de clássicos instantâneos do videogame engordou ainda mais com a chegada de RE4. Jogabilidade divertida e curva de aprendizado bem amigável, belíssimos gráficos (salvo algumas bobagens que não atrapalham nem mancham a reputação o jogo), lutas de boss épicas, uma história elaborada e bem contada, perene clima curiosidade em relação ao desconhecido… Sem contar que ainda reúne novos personagens a clássicos da série. E ainda por cima, o jogo ainda tem itens colecionáveis (chapinhas de garrafa com bonequinhos 3D e samples de voz? eu quero!). Obrigatório para gamers de todas as cores, credos e raças.